domingo, 12 de maio de 2013

‘Nanda Costa nunca foi uma aposta, foi um tiro certo’, diz Glória Perez



‘Nanda Costa nunca foi uma aposta, foi um tiro certo’, diz Glória Perez

As paredes do apartamento de Gloria Perez em Copacabana são todas de vidro e com vista cinematográfica da Princesinha do Mar. Só o teto não é feito do material transparente.
Já a vida da autora de ‘Salve Jorge’, nos últimos meses, virou alvo de muitas pedradas vindas de todas as direções. De peito aberto, Gloria nunca se desviou de nenhuma delas e respondeu a tudo.
A negociação para essa entrevista aconteceu pelo Twitter. Em uma das últimas mensagens privadas no microblog, ela mandou, na lata: “Pode perguntar o que quiser”. Esta é Gloria Perez, a maior autora de novelas desse país, que responde, agora, a todas as perguntas.
Bate um vazio quando a novela acaba?
Sempre bate. Você fica tanto tempo convivendo com aquele universo ficcional, envolvida em histórias de vida que não são a sua e, de repente, todos somem de uma vez. As personagens ficam como alguém com quem você conviveu e compartilhou muitas coisas.
‘Salve Jorge’ foi a novela que mais te deu dor de cabeça, por causa de críticas?
Isso é de praxe: é o preço que a gente paga quando ousa e inova, quando traz para o cotidiano das pessoas questões atuais que ainda não estão claramente percebidas, como barriga de aluguel, imigração ilegal, clonagem humana, internet, tráfico de pessoas etc. Por incrível que pareça, durante essas novelas, tudo isso foi atribuído à minha imaginação delirante! No começo, me surpreendi com o nível de desinformação, depois achei graça. E continuo achando.
Aliás, você lê tudo ou seleciona os comentaristas de TV que julga serem os mais sérios? Quem são eles?
Ah, não perco tempo, não, Leo. Infelizmente, a televisão brasileira não produziu críticos à sua altura. Não dá para levar a sério críticas que já são escritas antes da estreia de uma novela. Que aplaudem e desancam os mesmos recursos do folhetim, dependendo do autor que se utilize deles. Prefiro ficar com a avaliação lá de fora: não foi por acaso que ganhei o Emmy e escrevi o único programa brasileiro que a maior feira de TV do mundo, a Mipcom, incluiu na seleção dos 50 mais importantes dos últimos 50 anos — ‘O Clone’. Que aliás, aqui, foi alvo do mesmo tipo de “crítica”.
Marcos Schechtman (diretor de ‘Salve Jorge’) disse que a apresentação da novela poderia ter sido diferente, porque muita gente achou que a trama tinha cunho religioso.
A campanha que atribuía cunho religioso à novela deixava claros interesses puramente comerciais. Não fosse esse o mote, teriam arranjado outro, como já começaram a fazer com a novela do Walcyr.
Cite três grandes acertos em ‘Salve Jorge’.
Acho que divertimos, criamos personagens que vão ficar no imaginário popular, ousamos, elegendo como história central de uma novela das nove o tráfico humano, um crime que hoje está em primeiro plano na preocupação de todos os países. Ganhou destaque, inclusive, no discurso de posse do novo Papa. Ousamos, ainda, apresentando, pela primeira vez em novelas, uma protagonista típica dos morros — e, neste caso específico, prostituída. Enfim, trouxemos para o horário nobre as vítimas invisíveis desse crime invisível que é o tráfico humano, e os moradores (também invisíveis para o Estado) das favelas cariocas. Isso mexeu com preconceitos? Muitos! Somos um país muito preconceituoso e, por isso mesmo, tão aferrados ao politicamente correto. O politicamente correto é um fake para mascarar preconceitos. Outro tema muito pouco falado, que trouxemos para a discussão, foi a alienação parental.
E os pontos em que a novela poderia ter sido melhor?
Eu não teria começado com uma cena futura. É um recurso original, bonito, mas o grande público de novelas tem pouca intimidade com ele. Percebi que os primeiros capítulos acabaram parecendo um grande flashback, dando a impressão de que não estava acontecendo nada, quando estava acontecendo tudo. Também poderia não ter estreado nessa data ingrata, a um mês de dezembro, quando as pessoas ficam até mais tarde na rua, fazendo compras. Como se não bastasse, enfrentamos os feriados de novembro, que foram muitos: só um deles durou seis dias, por conta dos tradicionais enforcamentos!
Alguns personagens, como os vividos por Cristiana Oliveira e André Gonçalves, sumiram um pouco da novela. Por quê?
Muitas personagens entraram para pequenas participações e sabiam disso. É só ler a sinopse.
Você me disse que ‘Salve Jorge’ encerra uma trilogia de novelas no exterior. Por que parar? 
Me expressei mal ou você entendeu mal, Leo. ‘Salve Jorge’ não é uma novela sobre outras culturas, como foram ‘O Clone’ e ‘Caminho das Índias’. Em ‘Salve’, o tema é o tráfico internacional de pessoas, e, para contar essa história, eu precisava de um país no exterior. A Turquia, nesse caso, foi moldura e não quadro. A locação poderia ser em qualquer outro país, sem que isso tivesse interferência na trama.
‘Salve Jorge’ tem um elenco de primeira linha. Mas alguns atores te surpreenderam ainda mais?
Os bons atores sempre te surpreendem! Não vou citar nomes para não ser injusta, mas não tive nenhuma decepção.
A que se deve a química entre Helô (Giovanna Antonelli) e o Stenio (Alexandre Nero)? Quando você percebeu isso?
Percebi na primeira cena dos dois. Química é química, não se explica.
Na coletiva de apresentação, foi dito que a invasão ao Alemão seria abordada. E não foi. Por quê?
Como não foi abordada? A novela começou com a invasão e deu visibilidade ao Alemão, que antes só era conhecido através do poder e da crueldade dos traficantes que oprimiam a população honesta! Fico emocionada quando escuto os moradores dizendo como está sendo bom para a autoestima deles ver sua comunidade protagonizando no horário nobre. A novela mostrou a esperança dessas pessoas de ver realmente concluída aquela integração à cidade mostrada no primeiro capítulo. Já chegou por lá a TV a cabo, os bancos, uma porção de coisas: mas quero ver mesmo é entrar a educação, a saúde, a urbanização. É por aí que se expulsa realmente o tráfico e se integra essa população ao estado!
“Uma protagonista com a cara da favela”. Isso nunca existiu na telenovela. Você teve medo de inovar?
Nenhum! Mesmo sabendo que isso iria mexer com tantos preconceitos, como mexeu! Ainda mais tendo uma atriz do porte da Nanda para defender a personagem. Nanda nunca foi uma “aposta” para mim: sempre considerei um tiro certo! E foi mesmo!
Desde o início da novela você queria levar a personagem da Thammy (Miranda) para a boate, como uma “mulherzinha”? E o resultado?
Eu via a Thammy em programas de entrevista e ela tinha uma vivacidade, um colorido que chamava a atenção. Quando o produtor (de elenco) Luiz Antonio (Rocha) sugeriu o nome dela, não pensei meio segundo: era a escolha certa. Claro, eu sabia desde o início que ela seria infiltrada na organização.
Por que a escolha das injeções letais como arma?
É original, mas nem tanto. Os traficantes usam mesmo a seringa para matar, porque passa por overdose: fica na conta do morto, e não se abre investigação.
Schechtman disse que não houve a tal cena do estupro. Você achou correta a redução da cena?
Todo mundo entendeu que a Jéssica (Carolina Dieckmann) estava sendo estuprada! A violência estava ali, a força da situação estava ali, não havia a menor necessidade de ser mostrada em detalhes! Seria puro exercício de voyeurismo. E sádico!
Théo (Rodrigo Lombardi) era “o cara” no início da novela, mas ele foi mudando, pegou outras mulheres, ficou com o filme queimado. Você não acha que desconstruiu um herói?
Hein???? Jura que passar por muitas mulheres queima o filme de algum homem? Onde? Quando??? O Théo é humano, nada mais do que isso. Beijou uma amiga da ex-namorada, ficou sabendo que estava viúvo e se casou de novo… Desde quando isso desconstrói um herói???
Qual é o balanço da temática do tráfico? Chocou, alertou as autoridades?
Levou para o cotidiano das pessoas um assunto que soava, até então, como fábula urbana. Tenho certeza de que as pessoas vão lembrar de ‘Salve Jorge’ quando receberem propostas extraordinárias no exterior, e ter cuidado em avaliar e verificar se são verdadeiras.
Qual foi a cena que mais te emocionou?
Foram tantas…
Nas redes sociais, muita gente criticou e brincou até com o que consideraram “falta de realismo” da novela. Como você encara isso?
Leo, ficção não é reportagem: é ficção. E novela é folhetim. O folhetim, por exigência do gênero — quem conhece literatura sabe disso — tem como característica sacrificar a coerência pelo sensacionalismo, e utilizar uma quantidade de clichês e ganchos que seriam pecado num outro formato, como uma minissérie ou um filme. Quem reclama disso não sabe do que está falando: é a mesma coisa que criticar um soneto porque tem rima! Logo, não dá para levar a sério.
Falaram muito da cena em que Rachel (Ana Beatriz Nogueira), antes de ser morta, entra no elevador à procura de um sinal melhor, e da Morena, que entrou de madrugada na Igreja de São Jorge. 
Os dois exemplos que você está me dando nem servem como exemplo, porque são situações absolutamente realistas: é claro que a Rachel não entrou no elevador atrás de sinal, ela simplesmente estava tensa, querendo chegar no quarto e entrou sem pensar. Quem nunca disse a frase: “Se cair a ligação, é porque estou entrando no elevador?” Ou numa garagem? Todo mundo faz isso a toda hora! Quanto a essa história da igreja: qual é o problema de uma igreja estar aberta à noite? Por que isso não é real?
E o que você pensa sobre essas críticas?
São coisas tão bobas, que só demonstram uma disposição de atacar, mesmo dizendo sandices! Até porque esse estranho critério não é aplicado nem a todos os novelistas nem às séries americanas. Agora mesmo estamos assistindo a ‘Revenge’ (seriado americano). Será que essas pessoas estão fazendo as contas de quanto alguém pode ter ganho com investimentos em computadores para bancar tudo o que Emily Thorn banca? Aposto que não. Em inglês vale tudo. Também nunca vi ninguém se voltar contra a seringa de Dexter (outro seriado americano) nem contra meu sonho de consumo, o computador do ‘Lei e Ordem’, que a um clique desvenda a vida pregressa de qualquer suspeito, desde a escolinha maternal que frequentou. Dá para levar a sério uma crítica que se atém a coisas desse tipo? Eu não levo, nem perco tempo lendo!
Na cena secreta na cadeia entre Lívia e Wanda, uma delas morre?
Não.
E seu próximo projeto? 
Tirar férias! Vou para a Europa e para os Estados Unidos.
Postado por: Leo Dias às 10:00 pm :: Nenhum comentário

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