Rio -  Não acredito! Pé de galinha, numa cabidela sem sangue, coberto de pimentas vermelhas, dessas que só ardem no olho? Maravilha!
Sim, o fato aconteceu no Bar Botero, dentro do Mercadinho de Laranjeiras, ares de reduto colonial aos pés da elite tricolor. O susto faz sentido. Intriga que não tem fim, com diagnóstico de esquizofrenia comercial, atualmente, todos os bares sonham ser pés sujos. E vice-versa. O sujeito levanta paredes com mármore de Carrara, azulejos franceses no banheiro estilizado, decora com vidros de Veneza e, no acabamento, uma placa: ‘Boteco Fulano’.
Boteco? Antes de me aposentar das aguardentes e mais destilados, numa visita ao Beco do Rato, na Lapa, ouvi de um grupo eufórico que exalava juventude na mesa próxima, frases como essa:
— Não adianta! Só frequento pé sujo! É a minha praia...
Lembrei dos meus 20 anos. Só mesmo sendo o mais valente da região pra encarar um camarão em botequim. Apenas os insanos degustavam os cozidos jilós na travessa de louça, ou igualmente destemidos, nacos da mortadela de combate. Belas exceções provinham dos assados, lagartos ou pernil, com destaques honrosos à capa de filé, encharcada de cominho no molho.
De volta à mesa do Beco, o diálogo continua:
— Uma premium triple malte na temperatura birosca!
— E, eu, purinha envelhecida em barril de umbuarama...
Na gangorra do tempo a memória sorve outra uca de litro, traçando com cerveja preta de chapinha enferrujada.
Sugiro ao Marcio, o Rato do Beco:
— Que tal preparar uns pés de galinha pra essa imperial turma da malandragem aqui ao lado?
Manicure feita, o regabofe foi servido com os requintes da etiqueta francesa, um original coq au vin de época.
Mal o aparador assentou dando conforto ao pirex com o quitute, um salto Daiane foi executado na praça desse botequim. As meninas gritavam coisas próximas a “que horror! Eca! Ninguém merece!” Enquanto os rapazes, esbugalhados, apostavam a noiva que se tratava de um chupa-cabra a passarinho. O resumo de ópera Babete é simples: cada um entende a vida e suas referências. Hoje, acompanho à distância perseguições yonescas com movimentos de bullying ao paladar alheio.
O seu bar preferido pode ter moscas ou essências indianas no piso hidráulico. Um sommelier, um chefe sensível, ou até mesmo um mal-humorado profissional que insiste na proibição de batucar ou tocar instrumentos , principalmente cavaquinhos. A vida é tão curta, que, na medida certa, quem decide a gordura é você.
Em tempo: o pé de galinha foi preparado em homenagem a Chico Sales, grande forrozeiro, nordestino carioca, que introduziu zabumba e sanfona na comida do Botero. Estou curioso com o prato do dia quando o domingo estiver pra boleros.