segunda-feira, 10 de junho de 2013

Karla Rondon Prado: Gritos e crendices

Karla Rondon Prado: Gritos e crendices

'Quando será que se consegue ter atenção no grito? Quanto mais baixo você fala, mais chances tem de ser ouvido'

O DIA
Rio - Na varanda do bar de frente para a praia em Ipanema, o grupo de pagode começou a tocar. Ficou por ali umas duas músicas, sem que os funcionários soubessem se estavam gostando ou não. Olhava em busca de respostas para os clientes. Uma gringa filmava, outro grupo levantou para fotos, mas os brasileiros ficaram visivelmente incomodados, pois aquele barulho estava atrapalhando as conversas. Como interlocutora na minha mesa, estava uma amiga que acabara de voltar de Paris e, fina como ela só, disse que ia ficar devendo quando um músico passou o chapéu.
Estávamos no meio de uma conversa íntima, séria, entremeada de novidades da viagem. “Pior é que, se entra um velhinho no metrô em Paris tocando acordeom, eu dou. É pisar no vagão para eu me emocionar e pegar a carteira. Como tudo depende do contexto em que você está e do quanto aquilo é novidade, né?” Ela concordou. Vieram outros músicos, até que um gaiato de peruca verde e amarela estilo black power, aos berros, tirou a nossa concentração uma na outra e fez a gente morrer de rir. A figura empunhava seu violão como se fosse uma guitarra, cantando “eu sou um filho da Xuxa!” E ficou muito óbvia a intenção dele de seu refrão soar um palavrão. Tem maluco pra tudo na vida, e a criatividade é o que vence nesta hora, pois não teve quem não parasse para olhar.
Quando será que se consegue ter atenção no grito? Já li várias vezes que, quanto mais baixo você fala, mais chances tem de ser ouvido. E, se começa a querer ter razão na marra, aumentando o tom de voz, as chances de ser compreendido serão ainda menores, pois vão começar a gritar também e vai ficar uma berraria só, numa situação de dois animais uivando, lobos cobiçando a Lua. Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha. Casa onde falta pão, todos gritam e ninguém tem razão. Quem não tem inteligência usa força. Ditados que aprendi desde cedo e que fazem muito sentido para mim, mas que não sei até que ponto são só artimanhas dos pais para nos educar ou fazem sentido.
Dizem que as superstições também têm a ver com bulas pregando a boa educação e a ordem em casa. Então a mãe se encarregava de pôr uma pulga atrás da nossa orelha em nome do quarto arrumado: não deixe a sandália virada que não traz sorte; nem a roupa do avesso porque dá azar; não durma sem camisa para o anjo da guarda não ir embora... Será? Ou são apenas crendices? Acho que o que gente aprende na ingenuidade vira verdade. De qualquer forma, vou continuar tentando controlar meu tom de voz, pois quero muito ser ouvida.
E-mail: karlaprado@odia.com.br


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