Rio -  Mortes em tempo real. O assassinato de seis pessoas e o atentado à vida de outras sete foram acompanhados praticamente simultaneamente por agentes da Polícia Federal durante a apuração da Operação Gladiador.
Passados quase sete anos da ação policial que colocou atrás das grades os chefões da contravenção da Zona Oeste do Rio, chegam à Justiça denúncias de que os investigadores da Missão Suporte da Federal ouviram nas conversas telefônicas monitoradas toda a trama e planos das quadrilhas para se livrar dos adversários. E o pior: deixaram de evitar as mortes para não vazar informações e atrapalhar o andamento da operação.
Investigação que prendeu Fernando Iggnácio (óculos) teria detectado as mortes | Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
Investigação que prendeu Fernando Iggnácio (óculos) teria detectado as mortes | Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
A análise dos antecedentes criminais das seis vítimas fatais mostra que pelo menos três não eram envolvidas com a máfia dos caça-níqueis. E bem mais grave: duas foram atingidas por balas perdidas. É com base neste argumento que as famílias tentam na Justiça provar a responsabilidade civil do Governo Federal pela negligência dos agentes.
Assassinato de mulher foi planejado por 19 dias
Um dos casos mais emblemáticos e com maior tempo para análise das ligações telefônicas é o de Judith da Rocha Pinto Reis, assassinada, em Anchieta, no dia 5 de outubro de 2006. Durante 19 dias, os criminosos acertaram detalhes da morte em conversas com expressões facilmente compreendidas.
Judith era casada com o ex-PM Jadir Simeone Duarte — preso por envolvimento na morte do bicheiro Paulo Roberto de Andrade Silva —, mas se separou e passou a namorar outro policial. Inconformado, o ex-policial pressionou os parceiros dizendo que a ex-mulher poderia incriminar ainda mais a quadrilha na Justiça. E pede, de forma bem explícita:
“Tem que ‘resolver’ ela para mim. Você não vai deixar eu sofrer aqui (sic)”.
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Sem Cérebro recebeu pedido para ‘resolver’ ex-mulher de PM: ela morreu | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Só 16 dias após a execução de Judith, que estava com a filha no colo, os policiais responsáveis por ouvir as interceptações enviaram o alerta sobre a morte.
A morte do cabo Gilmar da Silva Simão também levou dias de discussões no ‘tribunal’ de inquisição do bicho. Envolvido na chacina de 29 pessoas na Baixada, Gilmar era acusado de trabalhar para Rogério de Andrade e tinha os passos seguidos pelos rivais desde 2 de outubro de 2006, quando foi visto com fuzis.
Gravações mostram que os criminosos, no primeiro dia, só identificam o militar como Simão. Logo depois divulgam a identidade e o local onde ele trabalhava: batalhão do Méier. Cinco dias antes da morte, Fernando Iggnácio recebeu ligação e autorizou o crime — como aconteceu nas seis mortes. Gilmar é assassinado após depor na 4ª DPJM, em Sulacap. No atentado, o subtenente Francisco Gomes foi baleado.
Polícia Federal disse que agentes demoraram a ter acesso aos áudios
A Polícia Federal nega a negligência dos investigadores. E argumenta que houve um longo tempo entre a captação das conversas nos computadores da Missão Suporte e o acesso dos agentes aos áudios das gravações. E mais: justifica que os alvos da operação falavam sempre em códigos e houve redução no quadro de policiais.
Nos quatro meses em que ouviram os telefonemas dos investigados, os agentes mostraram rapidez em vários momentos. Em uma delas, levam menos de 12 horas entre os diálogos dos criminosos captados pelos computadores e a inspeção das malas do bicheiro Fernando Iggnácio, no Aeroporto Internacional do Rio.
E olha que os investigadores tiveram tempo para passar na 4ª Vara Federal Criminal e obter do juiz o mandado de busca e apreensão. Uma eficiência em tempo real obtida exatamente um dia antes da primeira ligação de Jadir Simeone pedindo para Marcos Paulo Moreira da Silva, o Marquinhos sem Cérebro, ‘resolver’ Judith Reis e ouvir que o ‘papai’ (Fernando Iggnácio) iria tomar uma atitude radical.
Outra demonstração de agilidade no dia 6 de setembro: menos de oito horas após captar a conversa de Fernando Iggnácio, os policiais montaram ação para flagrar o encontro dele com o ‘Zero Um do Azul’ — comandante de batalhão da PM.
Negociação de pagamentos
Investigado por ligações com a máfia das cooperativas de transporte alternativo, o sargento Michelle Aurélio Lo Mônaco acabou morto com um tiro na cabeça apenas por acompanhar o primo Carlos César Arras Tavares, cabo do Corpo de Bombeiros e baleado na ação, em 31 de outubro de 2006.
Sua morte foi tramada por dois dias e os criminosos chegaram a tratar os valores da recompensa — R$ 12 mil. Entre as seis mortes assistidas ‘online’, a de Manoel dos Santos Filho, no dia 21 de outubro, é outra em que o pagamento é discutido sem rodeios entre os criminosos.