Rio -  Indignada, a madame comentou: “Imagina, agora minha empregada doméstica é administrada pelo governo, com essas leis absurdas! Como se nós, patrões, não a tratássemos bem.
A Maria das Dores, por exemplo, começou aqui em casa como babá de meu filho caçula, o Jorge. Pagava a ela meio salário mínimo e mais o transporte. No aniversário dela e no Natal eu dou presentes. A menina se dobra em agradecimentos. Ela cuida bem do menino: troca a fralda, dá banho, lava e passa as roupinhas dele, jamais esquece a hora das mamadeiras. Leva-o todas as manhãs para tomar sol na pracinha. E nunca se queixou de ficar aqui em casa além da hora combinada.
Às vezes, eu e meu marido temos de jantar fora e a das Dores fica com a criança, põe para dormir, e depois assiste à TV, até retornarmos. Nunca reclamou de sair mais tarde um pouquinho. Agora vem o governo com essa história de 44 horas semanais, carteira assinada, pagamento de horas extras, Fundo de Garantia, multa de 40% para demissão sem causa justa etc.
Ora, isso é coisa para trabalhador, como faz meu marido lá na empresa dele.
Pra que isso de direitos trabalhistas? Ela tem seu quartinho arrumado, TV, acesso livre à geladeira da família. E come da mesma comida que prepara para nós.
Não sei por que o governo se mete tanto em nossas vidas! Chega de burocracia. Agora vou ter que pagar, além dos salários, impostos para manter aqui a das Dores. Como se na velhice ela não fosse ter aposentadoria! Ora, a mãe dela, que trabalhou 20 anos na casa do meu sogro, ao se aposentar foi morar lá na roça, onde nasceu, e conseguiu aposentadoria rural. Precisa o governo criar ainda mais burocracia para nós, patrões?
Meu Deus, aonde o Brasil vai parar desse jeito!?”
Frei Betto é escritor, autor do romance ‘Aldeia do Silêncio’ (Rocco), entre outros livros